Separar Joio de Trigo

Uma das coisas que estou aprendendo nessa vida nova é que, antes de cozinhar grãos em geral, eles devem ser catados. Fui cozinhar quinoa sem catar e comi um monte de pedrinhas sem querer. Como não tenho coragem de jogar comida fora, mastiguei um monte de pedras até terminar tudo o que tinha cozinhado, e o tanto exagerado de quinoa que fiz foi o suficiente para 3 almoços... Depois de passar por isso fui cozinhar as lentilhas e essas foram fáceis, mas vai catar quinoa para você ver! Os grãozinhos são minúsculos, mais ou menos do tamanho das sementes de mostarda ou de gergelim. E as pedrinhas são igualmente pequenas, são micro-cascalhos, nossa senhora... é um trabalho de paciência, mas no final, acabei gostando, pois acalma a mente.

Há duas semanas escutei a homilia da missa na igreja Santa Maria Del Mar. Gostei do padre e já fui duas vezes. As homilias dele são muito boas, e além do mais, a missa é em castelhano, e é legal entender tudo o que o padre fala (acho lindo ouvir missas em catalão, mas capto pouco do conteúdo das homilias... já ouvi algumas missas em catalão, na igreja Nossa Senhora de Las Mercês, aqui ao lado de casa, que é, aliás, a padroeira de Barcelona, então a missa só poderia ser em catalão mesmo, e na Sant Josep de Oriol, em Eixample, e como ele é um santo Barcelonês, é sempre tudo em catalão também).

Mas voltando à Santa Maria Del Mar, há duas semanas o padre cita as parábolas de Cristo no Evangelho de Mateus, que junto com os Salmos e os Livros Sapienciais, são os meus trechos preferidos da Bíblia. No Evangelho de Mateus está a parábola que eu mais gosto,a dos talentos, e também a que dá título a esta postagem. Quando assisti à missa na Notre Dame com a Sarah, a homilia do padre (africano, o que achei legal demais), em francês, foi sobre a parábola Olhai os Lírios do Campo. Que bom que a Sarú estava lá e me falou sobre a homilia, pois se ela não houvesse traduzido, eu não saberia que o Evangelho de Mateus estava ali presente. Missa em línguas que não dominamos são pura entrega à eucaristia, e nada mais. Só o coração está presente, embora ele seja, de fato, o mais importante. Eu me lembro de sentir essa entrega sem entender nada quando escutava a missa em Evanston, quando ainda não entendia inglês.

Na primeira missa à qual fui em Santa Maria Del Mar, o padre falou sobre os grãos de mostarda que crescem junto com ervas daninhas, e que, no mundo material, o bem, para crescer saudável e viscejar, precisa do mal para desafiá-lo, ou seja, que o papel do mal é fortalecer o bem. Então, não devemos tentar eliminar o mal, e sim reconhecê-lo, detectar sua presença, encará-lo para que se transmute no final do processo. Não devemos ignorar sua presença, mas saber que ele tem uma função passageira, que é efêmero, que é mortal, enquanto o bem, para os que têm fé, é eterno e imortal. A fé católica realmente se afirma nesse princípio, né? Sempre senti que a trajetória de Jesus, de vida-morte trágica na cruz-ressurreição, é exatamente isso, o ciclo de vida-morte-vida, do qual fala Clarissa Pinkola Estés na história da Mulher Esqueleto em Mulheres que Correm com os Lobos (eu sempre, sempre, sempre cito esse livro aqui no blog, é até engraçado), onde os processos de morte são necessários para vivermos plenamente a realidade e nos livrarmos das ilusões.

Em Barcelona tenho descoberto dia a dia que a realidade é toda entremeada de bem e mal (até nos doidões com cortes de cabelo estilo chitãozinho-dreadlock), que os dois convivem permanentemente, dentro de nós mesmo, fora de nós, em toda parte, em uma dança cósmica que se manifesta tanto na violência mais brutal, quanto em pensamentos inocentemente hostis (tipo eu aqui, que freqüentemente me imagino, com toda a nitidez do mundo, jogando ovos da minha janela nos turistas barulhentos de madrugada... na verdade só não jogo porque tenho pena dos ovos, seria jogar comida fora... mas já vi, uma vez, um vizinho jogando um balde de água para atingir um grupo de desavisados que estavam berrando, e foi uma das cenas que mais gostei de viver nos últimos dias!!!)

Mas finalizando, e voltando ao lado sublime da vida, a ressurreição de Cristo seria a vida eterna após a morte, mas pode ser, também, a nova vida que vem com o renascimento depois de um sofrimento, seja qual for o seu grau (a morte de quem amamos, um divórcio, um rompimento de relação amorosa ou de amizade antiga, uma doença, uma decepção, ou mesmo pedrinhas na quinoa...).

É muito bom poder renascer das cinzas em uma cidade tão colorida.

Comments

Cam Seslaf said…
Psiu, :-*.
Você está aqui ao meu lado mesmo, querida. Fiquei aquecida com seu post, obrigada.
E a Catarina manda um fom-fom no seu nariz.
Paola Ranova said…
:)
que bom!
Saudades!!!
beijos

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