Reflexão sobre John Rawls

No que diz respeito à minha interpretação pessoal sobre Rawls, acho que se olharmos sempre para as raízes do autor, muitas dúvidas que parecem indicar contradições no corpo teórico por ele produzido desaparecem. A minha leitura geral do Rawls é a seguinte: antes de tudo ele é um liberal, mesmo que seja liberal revisionista, e que amplie o liberalismo incluindo questões econômicas, sociais, de solidariedade e de condições, e que dê protagonismo à sociedade, às leis e aos laços sociais, por mais que seja um liberal atípico, ele é liberal. E o que é interessante em grande parte nos estudos sobre Rawls é a comparação entre suas principais obras (Uma Teoria da Justiça, O Liberalismo Político e Justiça como Equidade) às obras de autores como Locke (especialmente o II Tratado e o Tratado sobre a Tolerância), Hume (Ensaios Políticos), e John Stuart Mill. O liberalismo clássico elogia a política e o governo civil como aperfeiçoamentos do estado de natureza e da própria condição humana. Isso significa que alguns aspectos do liberalismo podem até ser compatíveis com elogios à política em geral, que, com boa vontade, podem ir desde o participacionismo e do deliberativismo até ideias mais recentes de política para além do estado e da própria democracia radical. Se olharmos para o liberalismo clássico, mais eminente em Locke, em algum momento podemos adjetivá-lo como liberalismo clássico econômico e liberalismo clássico político. Mas antes de tudo o liberalismo em si tem algumas características estruturais que estão presentes em todos os liberais, inclusive em Rawls, em quem eu diria que em linhas gerais se destacam os seguintes aspectos: 1. Visão horizontal do mundo, onde indivíduos, grupos, sociedade civil e governo estão em pé de igualdade, do ponto de vista moral e formal. O liberalismo em geral tem aversão à verticalidade e a hierarquias entre as pessoas, sendo a mais tensa relação vertical para eles, que tende ao abuso, a do Estado tributário em relação aos cidadãos que detém propriedade privada (e aqui está o grande flanco contraditório apontado por autores como Rousseau e Marx, no que diz respeito a ser trabalhador ou detentor dos meios de produção). Mas voltando ao liberalismo clássico, a maioria dos autores tende a falar de governo civil - Locke - e instituições públicas - Rawls - em vez de Estado Nacional ou algo assim; 2. Diferentes graus de identificação pessoal com e defesa política da propriedade privada. Aqui eu diria que Rawls amplia o escopo da propriedade como justiça por meio da ideia de justiça como equidade, sem jamais pressupor igualdade material/homogeneização econômica da sociedade e tampouco a abolição da propriedade privada (nesse aspecto acho que vale observar Rawls à luz dos ensaios políticos de David Hume também); 3. Maior ou menor grau de desenvolvimento/aperfeiçoamento dos indivíduos na política e no exercício da cidadania. Aqui vemos os "neo"utilitarismo com Stuart Mill, observando um protagonismo de indivíduos plenos, que desenvolvem igualmente suas capacidades econômicas, morais, culturais e políticas, sem o protagonismo da identificação com a propriedade privada que aparece nos liberalismos mais radicais, ortodoxos ou conservadores. E aqui também acho possível localizar o Rawls, mas trta-se, por exemplo, de algo diferente do que diriam autores como J.S. Mill. Rawls dá mais espaço ao desenvolvimento da sociedade, das leis justas e inclusivas e dos laços sociais do que de indivíduos em suas plenitudes mais singulares (como curiosamente seria a postura de autores nada liberais como Nietzsche e Ortega y Gasset e anarquistas como Kropotkin). Acredito ainda que as ideias de Hanna Pitkin sobre representação por accountability, a vontade geral do Rousseau (com a qual a onipresença da ideia de justiça e da própria sociedade civil concreta rawlsiana podem se assemelhar) sejam ferramentas úteis para entendê-lo. Do ponto de vista metodológico, por fim, no que diz respeito especificamente a Rawls, o que ele escreve é no fundo uma abstração tão kantianamente moral que pode animar qualquer pessoa em distintos papéis sociais, seja o cidadão comum, seja o tomador de decisões políticas, burocráticas ou jurídicas. Por isso acho Rawls interessantíssimo como inspiração da filosofia política moral para estudos de caso, seja no direito, na Sociologia, na Ciência Política, na Antropologia Política ou em qualquer outra área de estudos inter e multidisciplinares. Mesmo que ele seja liberal.

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