As profundezas do sertão nordestino

Como amo letras de música, a de Avôhai é uma das letras brasileiras que mais me emocionam. Significa muitas coisas, é profunda tanto individual quanto socialmente, e tem estado em minha cabeça há alguns dias. Sempre a achei uma linda descrição da condição humana geracional e da realidade brasileira. Há também um lado arquetípico, místico e simbólico que me impressionam, tanto na letra quanto na melodia. Nesse sentido, acho Avôhai mais forte, e menos explícita, que Os Alquimistas do Jorge Benjor, outra música que adoro.

Explicação do autor
em http://www.viafanzine.jor.br/entrevista_ze_ramalho.htm


Zé Ramalho: Quando eu fiz esta música eu criei esta palavra. Ela significa avô e pai. É uma espécie de homenagem ao meu avô, que foi a pessoa que me criou. Ele fazia o papel de avô e de pai. Meu pai morreu muito jovem, nos açudes do sertão, morreu afogado quando eu era garotinho. Então foi meu avô que me educou, foi quem me ensinou a seguir o caminho do bem, a batalhar minhas coisas. Eu me inspirei na imagem dele. E me chegou a palavra [avohai]... Ao mesmo tempo ela é interpretada pelas pessoas que a ouvem das mais diversas formas. É uma coisa muito mística também, representa a continuidade da espécie, ou seja, passar a sabedoria de uma geração para a outra... O avô passa para o pai, que passa para o filho e aí por diante...

Via Fanzine: O Patrick Morraz, ex-tecladista da banda Yes gravou com você em “Avohai”. Como aconteceu o seu encontro com ele?

Zé Ramalho: Foi uma sorte muito grande minha, pois o produtor do meu primeiro disco, Carlos Alberto Sion, estava acabando de produzir um disco do Patrick Moraz no Brasil. Daí ele ouviu a música “Avohai” e me perguntou se eu achava boa idéia o Patrick participar. E realmente era boa mesmo a música, para o Patrick ouvir e ter gravado. Ele Gostou muito. Ele parecia ser uma pessoa muito gentil, tanto que quando eu lhe disse que a música estourou, ele ficou muito feliz. Um ano depois, jantando com Patrick, ele me apareceu com um disco na mão me pedindo um autógrafo para a mulher dele, que era uma brasileira que morava na Suíça. Aquilo me deixou muito orgulhoso ao ver como ele gostou e saber que a música foi o maior sucesso.



Avôhai
Zé Ramalho

http://www.youtube.com/watch?v=tm3KY1iwLWk

Um velho cruza a soleira
De botas longas, de barbas longas
De ouro o brilho do seu colar
Na laje fria onde quarava
Sua camisa e seu alforje
De caçador...

Oh! Meu velho e Invisível
Avôhai!
Oh! Meu velho e Indivisível
Avôhai!

Neblina turva e brilhante
Em meu cérebro coágulos de sol
Amanita matutina
E que transparente cortina
Ao meu redor...

E se eu disser
Que é meio sabido
Você diz que é bem pior
E pior do que planeta
Quando perde o girassol...


É o terço de brilhante
Nos dedos de minha avó

E nunca mais eu tive medo
Da porteira
Nem também da companheira
Que nunca dormia só...


Avôhai!
Avô e Pai
Avôhai!

O brejo cruza a poeira
De fato existe
Um tom mais leve
Na palidez desse pessoal
Pares de olhos tão profundos
Que amargam as pessoas
Que fitar...


Mas que devem sua vida
Sua alma na altura que mandar

São os olhos, são as asas
Cabelos de Avôhai...

Na pedra de turmalina
E no terreiro da usina
Eu me criei
Voava de madrugada
E na cratera condenada
Eu me calei
Se eu calei foi de tristeza
Você cala por calar
E calado vai ficando
Só fala quando eu mandar...


Rebuscando a consciência
Com medo de viajar
Até o meio da cabeça do cometa
Girando na carrapeta
No jogo de improvisar
Entrecortando
Eu sigo dentro a linha reta
Eu tenho a palavra certa
Prá doutor não reclamar...


Avôhai! Avôhai!
Avôhai! Avôhai!

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